A tradição oral, ou seja, a forma de estabelecer comunicação via palavra
dita, seja em que meio for é o objeto de observação deste ensaio. A intenção é pensar como a tradição oral interage com o conceito de saúde definido pela OMS.
Ao nascer uma pessoa está necessariamente conectada ao mundo, a outras pessoas. O ser humano não se desenvolve ou sobrevive sem a influência cultural. Ele já nasce com uma história desde o momento em que é fecundado. Alguns têm essa história ainda mais ampliada, como é o caso das crianças amplamente desejadas e planejadas para nascer. Em algumas culturas existem crianças que antes de serem geradas já estão prometidas em casamento e até mesmo a nossa própria existência é registro concreto de milhares de pessoas que viveram antes de nós.
Dessa forma as narrativas, sobretudo os contos de primeira infância, que
vão cercar o processo de inserção social e de alicerce para o desenvolvimento da criança em seu meio, serão determinantes no adulto do futuro. Aprendemos quem somos ao longo da vida, pelo que os outros nos dizem e, aos poucos, vamos criando novas fontes e constituindo a singularidade de cada ser. Não é interessante? Ao mesmo tempo em que somos constituídos por nossa comunidade, somos únicos - ao nascer e ao longo da vida. Essa parece ser a grande dinâmica que vai nortear todo processo de crescimento em sociedade.
O ser humano morre por falta de afeto e amor. Muitas vezes, a fragilidade
física gerada pela miséria, pela falta de condições minimamente dignas de vida também se tornam agravantes. Mas também encontramos pessoas bem nascidas e com boas condições financeiras que adoecem por falta de amor. O que é a baixa auto-estima se não a dificuldade de se sentir querido, amado e desejado pelo outro e por si mesmo do jeito que somos? O sucesso pessoal, profissional, adaptativo e criativo muitas vezes é determinado pela qualidade de afeto, acolhimento e troca propiciados nas diferentes fases da vida.
Um meio estimulante portanto, não está necessariamente ligado a recursos financeiros ou classe social mas aos cuidados que uma criança recebe e que será alicerce na sua trajetória de vida.
Contar histórias é um ato de troca. Quem conta está sempre num momento de
comunicação. Está sempre em interação com o outro. O contador precisa do ouvinte, pois sem ele essa troca não acontece. Isso se difere da leitura pois ela, muitas vezes, acaba sendo um ato individual. Além disso, é uma atividade acalmadora que exercita a concentração e o ato de ouvir. Ajuda no vocabulário e atiça a curiosidade pela busca de novas histórias. Não é uma narração feita de qualquer maneira, mas uma narração que precisa necessariamente provocar o imaginário e a fantasia. É também um potente instrumento de incentivo à leitura pois, ao ampliar o universo imaginário através da palavra oral, cria-se uma base para a leitura futura. Aprender a ler significa nesse contexto, aprender que um livro registra uma história que está além de suas linhas e que se inicia muito antes do processo de alfabetização. Só assim, o livro passa a ser vivo e passa efetivamente a dar prazer ou provocar sensações. Se não conseguirmos provocar sensações através das palavras não conseguiremos gostar de ler.
Hoje no mundo globalizado, adoecido e massacrado em que vivemos é de novo o universo das histórias que pode nos ajudar a dar voz àqueles que precisam falar. Todo mundo, mesmo antes de nascer, já faz parte de uma história: contando, sendo personagem ou ouvinte. E assim será até o fim dos nossos dias.
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